Baseado no TCC dos alunos: Fernando Ricardo Báu e Márcia Maria Nunes Ferro
INTRODUÇÃO:
O cuidado em saúde tradicionalmente praticado no ocidente baseou-se no conhecimento estritamente biológico sobre o corpo humano, embasado pelo método científico que se utiliza de conceitos da matemática e da física. Essa abordagem levou ao desenvolvimento do modelo biomédico que identifica o corpo humano com uma grande máquina (visão mecanicista), composta por pequenas partes que somadas dão origem ao todo. Por este ponto de vista, o estudo desta “máquina” teria como objetivo identificar mecanismos de funcionamento, de modo que se possam ser aplicadas como leis gerais de funcionamento (MORAES, 2012).
Essa forma de compreender o corpo humano interfere na forma com que se entende o conceito de saúde e doença. Dentro da visão mecanicista, compreende-se a doença como o desvio da forma correta de funcionamento de uma determinada estrutura do organismo, em outras palavras, compreende-se o conceito de saúde como ausência de doenças. Este raciocínio deu origem a toda estruturação da forma de cuidar desenvolvida nas sociedades ocidentais, criando uma atenção centrada na doença, gerando profissionais de saúde superespecializados, com menor observação do todo, privilegiando mais a doença do que a indivíduo doente (BARROS, 2002).
Além disso, esses conceitos delinearam também as ferramentas terapêuticas utilizadas no cuidado aos agravos no ocidente. O avanço científico, principalmente na área química e farmacológica, propiciou, durante o século XX, um grande avanço no uso de substâncias químicas sintéticas para o tratamento das doenças. A eficiência imediata no controle das doenças atribuída ao uso de medicamentos, associada ao grande investimento econômico dasindústrias farmacêuticas, fez com que essa modalidade terapêutica, rapidamente se expandisse e se tornasse o principal recurso terapêutico utilizado no ocidente (BRASIL, 2015a; BARROS, 2002).
Apesar do grande avanço do modelo tradicional biomédico nas sociedades ocidentais várias questões são colocadas sobre a sustentabilidade e efetividade do sistema. O desenvolvimento socioeconômico, o acesso a informação e a automedicação, a pluralidade de prescritores de diferentes especialidades e a polifarmácia contribuem para despesas crescentes para os serviços públicos de saúde e para as famílias podendo levar a resultados desastrosos no tocante a saúde da populaçãopelo risco de interações medicamentosas e de efeitos adversos (BRASIL, 2015a).
Embora este ainda seja o pensamento hegemônico nas sociedades ocidentais, novas formas de se pensar o processo saúde/doença bem como o cuidado, tem sido propostas ao longo do tempo. O relatório Dawnson, um documento inglês de 1920, propunha a atenção primária a saúde como forma de organização dos sistemas de saúde em contraposição ao modelo flexineriano americano de cunho curativo, fundado no reducionismo biológico e na atenção individual. Cerca de 60 anos depois, na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde (em Alma Ata, Rússia) enfatizou-se o conceito de saúde como estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade bem como, a importância dos cuidados primários de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis (OMS, 1978; STARFIELD, 2005; PAGLIOSA, 2008).
Segundo a portaria de 2012 publicada pelo ministério da saúde, a atenção básica, ou atenção primária à Saúde, configura-se como porta de entrada de fácil acesso aos usuários do sistema único de saúde, com o desafio de ser altamente resolutiva, através da corresponsabilização e vinculação dos profissionais de saúde junto aos seus usuários, com o objetivo de atender suas necessidades de saúde. Além disso, a atenção primária deve acompanhar os usuários de forma longitudinal, ou seja, ao longo do tempo, para que haja efetiva prevenção dos agravos em saúde e que estes sejam identificados em tempo oportuno, evitando o agravamento das doenças. O cuidado na atenção primária deve ser integral e interdisciplinar, valorizando os saberes de todos os membros das equipes de saúde, no sentido de ampliar as ofertas de cuidado, frente a complexidade do processo saúde e doença. Além do cuidado aos agravos de saúde, que envolve o diagnóstico e o tratamento dessas condições, a atenção primária desenvolve ações como a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, a reabilitação e a manutenção da saúde objetivando uma atenção integral, o desenvolvimento de autonomia e a melhora da qualidade de vida dos usuários (BRASIL, 2012).Este entendimento mais amplo do conceito de saúde e doença levou a uma aproximação natural com outras racionalidades médicas tradicionais, incluindo a medicina tradicional chinesa. Diante do grande avanço das racionalidades médicas tradicionais em países desenvolvidos, a organização mundial da saúde publicou em 2002 um plano de ação que trata da avaliação dessas práticas no que tange a segurança, eficácia, etc (OMS, 2002).Em 2013, houve o lançamento de um novo documento constatando a importância da adoção das práticas tradicionais e complementares pelos sistemas de saúde na promoção do bem-estar dos indivíduos (OMS, 2013).Em 2015 no Brasil é publicada a política nacional de práticas integrativas e complementares do SUS, que reafirma, através de diversas experiências exitosas ocorridas em vários municípios brasileiros, a importância e legitimidade das práticas integrativas e complementares reconhecidas pelos usuários do SUS.O documento reconhece ainda, a importância dessas práticas na medida que valorizam a prevenção de doenças, promoção da saúde, humanização do atendimento, visão global da pessoa e sua relação com o meio ambiente. Muitas dessas experiências envolveram a prática da medicina tradicional chinesa, principalmente através da acupuntura (BRASIL, 2015b)
A atenção primária em saúde utiliza dos conceitos de proteção, prevenção e promoção em saúde, unindo ações preventivas, curativas e ações que promovam melhoria da qualidade de vida das pessoas, como exemplo, ações de incentivo à atividade física e alimentação saudável. Os princípios que fundamentam a atenção primária à saúde são os seguintes:
· o primeiro contato: conforme citado acima é de fundamental importância que os serviços de atenção à saúde sejam reconhecidos pelos usuários, como o ponto de atenção de fácil acesso, para que o usuário procure primeiramente este serviço. Isso se faz necessário para construção de um vínculo de confiança entre usuário e profissional de saúde;
· coordenação do cuidado: neste modelo de atenção os profissionais são responsáveis pelo cuidado aos usuários de modo de estes continuam sendo acompanhados mesmo após o referenciamento a outros pontos de atenção, como pronto atendimento, ambulatório de especialidades, internação hospitalar, etc. Os profissionais da atenção primária devem manter contato próximo com os serviços que integram a rede de saúde para acompanhar e discutir as medidas a serem tomadas e a evolução da situação de saúde do usuário;
· área de abrangência: a adscrição de território de abrangência e dos usuários a ser acompanhados pelos profissionais das equipes de saúde é de fundamental importância para o planejamento das ofertas dos serviços de saúde. Somente através de um dimensionamento adequado de usuários por equipe de saúde é possível garantir a organização do serviço que cumpra com os demais princípios norteadores da atenção primária à saúde;
· integralidade do cuidado: este princípio fundamental pode ser reconhecido de duas formas que se complementam. A integralidade do cuidado pode ser pensada como a estruturação da rede de serviços que garanta que o usuário terá acesso as diferentes ações em saúde em tempo oportuno, para tratamento de sua enfermidade. Por outro lado, a integralidade do cuidado se coloca também como uma mudança de paradigma na medida que passa a reconhecer o indivíduo de forma integral, considerando não somente o aspecto biológico, mas também questões sociais e psicológicas que influenciam diretamente no processo saúde doença (CECÍLIO,2001);
· longitudinalidade do cuidado: os usuários serão acompanhados pelas equipes de saúde, no que diz respeito as suas necessidades de saúde, de forma longitudinal, ou seja, durante toda a vida, permitindo que os profissionais da atenção básica adquiram o amplo conhecimento das famílias situadas no território. Isso possibilita um maior entendimento do processo de adoecimento que acomete as pessoas que vivem na comunidade, de modo que se possa intervir de forma mais assertiva. Nesse sentido, em todas discussões que envolvem o tema da atenção primária em saúde, tem sido abordada a formação generalista dos profissionais de saúde, no sentido da instrumentalização técnica destes profissionais para que o acompanhamento se dê desde a infância até a velhice, integrando todas as linhas de cuidado, saúde da mulher, criança, adulto e idoso, saúde mental e saúde do trabalhador.
Portanto, trata-se da organização de serviços de saúde localizados próximos das comunidades, com equipe técnica multiprofissional que executem ações de prevenção, ações curativas e ações de promoção em saúde. A essas equipes atribui-se a responsabilidade de conhecimento do território do qual estão inseridas, bem como das pessoas que neste vivem, e a responsabilizaçãopela coordenação de um cuidado em saúde que deve ser realizado de forma contínua, respeitando ao mesmo tempo a liberdade das pessoas, suas crenças e cultura, possibilitando a criação de vínculo de confiançaentre usuário e profissional de saúde, objetivando também o fortalecimento do autocuidado e da autonomia (BRASIL, 2011; 2012).
A medicina tradicional chinesa representa uma racionalidade médica desenvolvida há milhares de anos na China, baseada principalmente em 3 correntes filosóficas: o Qi, o Yin/Yang e os cinco elementos (movimentos). O entendimento de saúde e doença neste modelo está intimamente relacionado aos fatores ambientais, de modo que todos os seres vivos, incluindo os seres humanos, devem estar em harmonia com o meio ambiente. A origem das doenças acontece quando ocorre desequilíbrio que compromete a absorção e transporte das substâncias fundamentais, gerando deficiência ou estagnação do organismo. Este desequilíbrio pode ser gerado pela exposição a fatores ambientais, hábitos de vida e fatores emocionais (BRASIL, 2015b; MACIOCIA, 2017).
OBJETIVO GERAL
O objetivo deste trabalho é analisar a prática da acupuntura na atenção primária, no que se refere a incorporação dos conceitos da medicina tradicional chinesa no processo de trabalho dos profissionais praticantes. Além disso, objetiva-se avaliar a opinião dos usuários que são tratados com acupuntura em relação a satisfação, o atendimento das necessidades, os desfechos clínicos, a prevenção de agravos e a redução do consumo de medicamentos.
MÉTODO
Este estudo foi realizado no Centro de Saúde Jardim Aurélia situado no Distrito de Saúde Norte do município de Campinas/SP. Sua área de abrangência compreende uma população de 38.794 habitantes, sendo que cerca de 19% desta possui 60 anos ou mais.
Neste serviço foram realizadas entrevistas com profissionais de saúde praticantes da acupuntura e auriculoterapia chinesa. Para as entrevistas foi criado um roteiro semiestruturado (apresentado no anexo 1)com o objetivo de auxiliar na condução da entrevista, ressaltando que, em várias ocasiões, foram feitos outros questionamentos para maiores esclarecimentos e obtenção de dados visando maior consonância com os objetivos descritos acima. Trata-se de uma análise qualitativa na qual se destacam elementos do discurso dos entrevistados.
Foram realizadas 10 entrevistas, sendo uma com profissional médico generalista que pratica acupuntura e uma com profissional enfermeiro que pratica auriculoterapia chinesa. Foram entrevistados 8 usuários sendo que seis deles estão em tratamento com acupuntura e dois deles estão em tratamento com auriculoterapia somente.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Neste estudo foi avaliada a inserção da acupuntura em um serviço de atenção primária a saúde no município de Campinas por meio de entrevistas a dois profissionais de nível superior, sendo um médico generalista que realiza tratamento com acupuntura e o outro um enfermeiro que realiza tratamento com auriculoterapia chinesa. Foram avaliados aspectos relacionados às formas de acesso, abordagem, visão holística e resultados clínicos. Realizou-se também entrevistas com os usuários, sendo que seis deles estavam em tratamento com acupuntura e dois em tratamento com auriculoterapia.
Com os profissionais investigou-se, a princípio, possíveis mudanças na forma de praticar o cuidado com a prática da acupuntura e auriculoterapia e verificou-se que ambos referiram modificações nesse quesito. O profissional enfermeiro relata que os atendimentos em auriculoterapia permitiram uma postura mais acolhedora frente ao usuário garantindo maior espaço para a sua fala e uma escuta mais empática e humana. Ambos profissionais relataram que o desenvolvimento das práticas da medicina chinesa, seja a auriculoterapia ou a acupuntura, possibilitaram um cuidado mais integral dos usuários reconhecendo a sinergia entre corpo e mente no processo do adoecimento numa perspectiva centrada na pessoa e não na doença. O profissional médico destacou: “A acupuntura me trouxe mais respostas do que a medicina tradicional”, reforçando que o conhecimento da medicina tradicional chinesa possibilitou um maior entendimento do funcionamento das pessoas como um todo e do processo de adoecimento e ainda permitiu desfechos clínicos mais exitosos que o tratamento convencional.
A medicina tradicional chinesa compreende uma série de práticas como a acupuntura, a dietoterapia, a fitoterapia, massagem e atividade física que partem de um único fundamento que explica o processo de saúde e doença através da circulação do qi, que seria uma espécie de energia vital que percorre por todo o corpo através dos canais de energia (meridianos). O livre fluxo do qi é o que determina uma vida saudável, por outro lado a interrupção do fluxo do qi, por deficiência ou estagnação é o que provoca dores e o adoecimento. Partindo dessa premissa, o processo de adoecimento envolve a relação do indivíduo com o meio externo, sendo assim, durante a entrevista com o paciente é importante que se crie um ambiente favorável para que este possa expressar todos os aspectos que ajudem o profissional a identificar o desequilíbrio no fluxo de qi. Os hábitos de vida, como alimentação, padrão de sono, a relação com a família, trabalho e as emoções envolvidas, além dos sintomas físicos, são dados extremamente importantes para a obtenção de um diagnóstico preciso possibilitando um desfecho clínico favorável (MACIOCIA, 2017; 2018).
Os resultados positivos da acupuntura têm sido corroborados pela equipe multiprofissional, na medida em que os usuários têm sido encaminhados para o tratamento com acupuntura pelo psicólogo, pelo psiquiatra, pelo terapeuta ocupacional e também pelo enfermeiro.
No meio científico vários estudos têm avaliado o efeito da acupuntura no manejo das doenças comuns que afligem as pessoas, principalmente em quadros álgicos. O uso da acupuntura em condições prevalentes como as lombalgias, tem protagonizado diversos estudos multicêntricos, randomizados e controlados utilizando-se grupo sham (inserção de agulhas fora dos acupontos). Os resultados apontam de forma consistente uma maior redução das dores quando comparado com o tratamento convencional, embora não tenha sido identificada mudança significativa entre os grupos tratados com acupuntura e os grupos sham.
Situação semelhante tem sido identificada em condições como artrose de joelhos e cefaléias. Dois grandes estudos conduzidos na Alemanha entre 2002 e 2006 investigaram a eficácia da acupuntura no manejo dessas condições, chamados de ART e GERAC. O estudo ART conduzido com 1164 pessoas divididas em quatro estudos (artrose de joelhos, lombalgia, cefaléia e enxaqueca), demonstrou que o tratamento com acupuntura diminuiu, de forma significativa, as dores nas quatro patologias estudadas quando comparado com o grupo que não sofreu nenhuma intervenção. Entretanto, nos quadros de artrose de joelho não houve uma redução significativa quando comparado com o grupo sham. O estudo GERAC, realizado com 3351 pacientes avaliou as mesmas condições e encontrou resultados muito semelhantes, ou seja, a acupuntura se mostrou eficaz no controle das dores todos os casos estudados, embora não tenha sido identificada melhora significativa, quando comparado com o grupo sham. Outra questão interessante observada nesse estudo foi a redução do uso de medicamentos para controle das dores referida pelos pacientes tratados com acupuntura (MAO, 2010).
Constatou-se no presente estudo, que tanto o tratamento com acupuntura quanto a auriculoterapia tem boa aceitação pelos usuários e profissionais de saúde da unidade. Os usuários mostraram-se muito satisfeitos com o tratamento, apresentando alívio dos sintomas.
Porém, um dos entraves observados para a realização da prática foi a carga horária insuficiente (seis horas semanais), em relação a demanda existente, gerando filas de espera entre os usuários. Por essa razão, com o intuito de solucionar esse problema e garantir mais acesso as práticas de medicina chinesa, estabeleceu-se como prática inicial para alguns usuários, 8 sessões de auriculoterapia com posterior avaliação da necessidade de complementação com acupuntura sistêmica, relataram os profissionais de saúde entrevistados. No Centro de Saúde Jardim Aurélia, o tratamento com auriculoterapia é comumente indicado para os casos de dores osteomusculares, sintomas de ansiedade e de depressão. Já a acupuntura ,tem sido mais indicada para os usuários que possuem principalmente dores osteomusculares. Estes relatos foram corroborados após as entrevistas com os usuários, quando foi possível identificar que aqueles que relataram dores mais intensas e quadros clínicos mais complicados estavam em tratamento com acupuntura. Por outro lado, os usuários em tratamento com auriculoterapia referiram sintomas de ansiedade, insônia e dores leves como motivadores para o início do tratamento.
O médico acupunturista referiu que gostaria de utilizar a prática para o seguimento de pacientes sequelados por acidente vascular cerebral, para pacientes com síndrome do cólon irritável, retocolite ulcerativa, pacientes asmáticos e outros agravos, porém, a restrição da carga horária impossibilita estas ações, segundo ele.
A organização mundial da saúde em documento publicado em 2013 aponta para um aumento mundial na procura por tratamentos com práticas integrativas e complementares, porém, a institucionalização dessas práticas na Atenção Primária ocorre lentamente. Contatore e colaboradores (2015) sugere que a incorporação dessas práticas tem sido condicionada a existência de estudos científicos que utilizam a metodologia científica tradicionalmente aceita no ocidente. A tomada de decisão em relação a incorporação de novas tecnologias nos serviços de saúde hipervaloriza os estudos científicos restritivos, de abordagem biomédica, centrados na doença e com apresentação de evidências quantitativas. Este modelo é sociologicamente insustentável na medida que se baseia em noções de “verdade” da medicina ocidental contemporânea. A própria Organização Mundial da Saúde, embora tenha recomendado a necessidade de ampliar as pesquisas científicas, supondo que este aumento, consequentemente, levaria à ampliação da adoção das PIC nos serviços públicos de saúde, apontou em documento mais recente, a necessidade do desenvolvimento de investigações científicas com metodologias menos reducionistas (OMS, 2013).
O Brasil tem incentivado a adoção das práticas integrativas e complementares, através da publicação da política nacional de práticas integrativas e complementares no ano de 2015. Este documento estimula a implantação de práticas de medicina tradicional, como a acupuntura, afim de aumentar a resolutividade do sistema, mantendo a segurança dos usuários. O documento estabelece obrigações para os três entes da federação e determina alguns pontos, como o caráter multidisciplinar do desenvolvimento das práticas no âmbito do Sistema Único de Saúde e a criação de mecanismos de financiamento para consolidação dessas práticas (BRASIL, 2015b).
O presente estudo também mostrou uma maior valorização dos hábitos de vida e dos fatores socioambientais oportunizados pela prática da medicina chinesa com acupuntura e auriculoterapia. De fato, é possível notar que ambos os profissionais têm grande preocupação com os hábitos de vida dos pacientes e a relação com o processo de adoecimento, porém, identificou-se que, isso não está diretamente relacionado com a prática da medicina chinesa.
A visão integral do indivíduo, valorizando a relação entre corpo e mente, bem como a relação do indivíduo com o meio externo no processo de saúde/doença praticado na medicina tradicional chinesa, tem encontrado semelhanças na forma cuidar dentro da atenção primária. Pensando nisso, tem sido sugerido que os serviços de atenção primária à saúde se constituem espaços estratégicos para a inserção da acupuntura e outras práticas integrativas. Souza &Tesser (2017) apontam para similaridades no perfil de demanda para tratamento com acupuntura e para os atendimentos das equipes de saúde da família. Casos inespecíficos, adoecimentos iniciais, quadros mal enquadráveis, sofrimentos pouco explicados, problemas psicossociais ou de saúde mental, osteomusculares, dores em geral e doenças crônicas tem sido o padrão de demanda para ambas formas de cuidado. Essas semelhanças, bem como os resultados apresentados no presente estudo, sugerem que a introdução da acupuntura e auriculoterapia pode favorecer um cuidado mais integral, bem como promove o aumento da resolutividade das queixas e necessidades trazidas pelos usuários que procuram o serviço da atenção primária.
As evidências científicas têm apontado para o mesmo caminho. Estudos internacionais mostraram menor índice de internações e prescrição de drogas e menores custos do cuidado, nos serviços cujos médicos de família também praticam homeopatia, acupuntura ou medicina antroposófica (KOOREMAN &BAARS, 2012). Tem sido evidenciado ainda que a introdução da acupuntura no serviço de atenção primária reduziu o número de encaminhamentos, promovendo assim uma relação custo-efetividade mais favorável para os sistemas de saúde (SOUZA & TESSER, 2017).
Entretanto cabe ressaltar a importância da aplicação correta da medicina tradicional chinesa, não se restringindo somente a uma prática mecanizada, como apontado por Mao (2010):
[…]“ser um bom acupunturista requer não apenas habilidades, mas o temperamento correto, pois a maioria dos pacientes atendidos são aqueles com dor crônica, cujas abordagens convencionais falharam ou que preferem a visão não tradicional da medicina ou da saúde. Se não se pode construir um relacionamento empático, estimulante, permanecendo com a mente aberta, as habilidades adquiridas podem não se traduzir em uma prática de acupuntura exitosa.
CONCLUSÃO
Neste estudo foi possível identificar que a prática da acupuntura e auriculoterapia dentro de um serviço de atenção primária em saúde propicia a mudança da visão do processo saúde doença por parte dos profissionais propiciando um cuidado mais integral e humanizado aos usuários. A introdução do conhecimento da medicina chinesa no serviço auxilia na quebra do paradigma da atenção centrada na doença e propicia uma prática que se aproxima ainda mais dos princípios da Atenção Primária em Saúde. Além disso, este estudo demonstrou a potencialidade da utilização da acupuntura e auriculoterapia no manejo das enfermidades, na medida em que os próprios pacientes percebem de forma inequívoca a melhora da condição de saúde, não somente em relação a necessidade incialmente apresentada, bem como na melhoria de outros fatores como o autocuidado, a percepção sobre o próprio corpo e sobre a própria saúde. No entanto, o estudo mostra ainda que a falta de estrutura, principalmente de recursos humanos, compromete a plena incorporação da acupuntura da atenção primária em saúde.
Autora do artigo: Profa. Ma. Luciana Mendes Vinagre