Ginasta dos seis aos 14 anos, a arquiteta Luiza Seifred foi forçada a abandonar o esporte há pouco mais de uma década por causa de fortes dores na região lombar e no quadril. Teve de trocar os treinos e as competições por uma penosa peregrinação por consultórios. Tentou vários médicos, tomou remédios de todo tipo e fez infiltrações com corticoides, mas o problema nunca ia embora.
Cinco anos atrás, encontrou um ortopedista que sugeriu uma via não medicamentosa, que combinava exercícios para reforçar a musculatura e uma terapia de Reeducação Postural Global (RPG), feita sob orientação de uma fisioterapeuta.
O reforço muscular não produziu grandes efeitos, mas depois de algum tempo Luiza, hoje com 26 anos, percebeu que o RPG estava trazendo alívio. Depois de anos de sofrimento e limitações no dia a dia, a dor nas costas desapareceu. E sem necessidade de qualquer remédio.
— Era muito jovem, e ainda sou, e nunca achei que anti-inflamatórios e infiltrações fossem uma solução adequada. E eles não resolviam. Eu estava aceitando qualquer novo método, e a RPG mostrou que havia uma possibilidade de não usar medicamento, ter resultados e fazer as minhas atividades normais. Com sessões semanais, a dor nas costas foi embora, e a do quadril diminuiu muito. Só sinto alguma coisa se deixo de fazer a RPG. Aí, a dor volta a ser diária — conta a arquiteta.
Menos danos e custos
O caminho que Luiza percorreu até encontrar alívio para suas dores é semelhante àquele que muitas vertentes da medicina estão trilhando no enfrentamento do problema das dores na região lombar — mal que atinge quase toda a humanidade, em um momento ou outro, e que é uma das principais razões para que se procure um médico mundo afora. Essa evolução foi documentada no mês passado, quando o Colégio Médico Americano, a maior associação médica dos Estados Unidos, apresentou novas diretrizes para o tratamento das dores na base das costas, a chamada lombalgia.
Fruto de uma análise dos trabalhos científicos sobre as mais variadas terapias disponíveis, o documento, publicado no periódico Annals of Internal Medicine, chamou a atenção por colocar em segundo plano, tanto nos casos de dor aguda quanto naqueles de doença crônica, a solução medicamentosa. Em lugar disso, a entidade orienta os profissionais a priorizar outras terapias. Entre as opções consideradas mais indicadas do que os remédios são citadas terapia com calor, massagem, acupuntura, exercício físico, terapia cognitivo-comportamental, tai chi e yoga, entre outras.
Em entrevista ao The New York Times, Nitin S. Damle, presidente do Colégio Americano, reforçou que a principal mudança trazida pelas novas diretrizes é dar prioridade às alternativas não farmacológicas. Em um texto divulgado pela entidade médica, ele foi além:
“Os médicos devem assegurar aos seus pacientes que a dor lombar aguda e subaguda geralmente melhora com o tempo, independentemente de tratamento. Devem evitar a prescrição de exames desnecessários e de remédios potencialmente prejudiciais, especialmente narcóticos. Para o tratamento da lombalgia crônica, os médicos devem escolher as terapias com menos danos e custos, uma vez que não há uma vantagem clara de um tratamento em comparação com outro”.
As novas diretrizes devem consolidar, no mundo todo, uma linha não medicamentosa e multidisciplinar que vem ganhando espaço nos últimos tempos. O médico que encaminhou a arquiteta Luiza Seifred para a RPG, o ortopedista e traumatologista Jorge Schreiner, por exemplo, dirige uma clínica, a Coluna Porto Alegre, que conta em seus quadros com profissionais da Educação Física, da Fisioterapia e da acupuntura.
— A formação dentro das faculdades é dar analgésico, anti-inflamatório e eventualmente mandar fazer uma fisioterapia. Hoje sabemos que isso não é a solução, que o tratamento tem de ser amplo e multidisciplinar para dar resultado satisfatório. Temos acupuntura, terapia laboral, terapia do calor, atividade física, todo um leque de opções. Não é mais aquela coisa restrita de anti-inflamatório e relaxante muscular. Não se usa mais tanta medicação como no passado, e muita gente pode ser tratada sem medicamento algum. Esse é o futuro — afirma Schreiner.
Alternativas viram prioridade
As novas recomendações para o tratamento da lombalgia foram recebidas como uma importante mudança de paradigma por grande parte dos profissionais da área e pela imprensa internacional. A repercussão das diretrizes, que atualizam documento de 2007 no qual o uso de remédios tinha destaque, explica-se pela incidência das dores na costas. Calcula-se que, em algum momento, 80% a 85% da população mundial vai conviver com o tormento lombar.
Na maioria dos casos, serão vítimas daquilo que o Colégio Americano define como dor aguda ou subaguda — com poucos dias ou semanas de duração. Nesses episódios, o paciente melhora mesmo sem fazer nada. É mais ou menos como um resfriado: o problema gera bastante incômodo, mas segue um curso natural, que com frequência não requer intervenção e não produz complicações.
— Os médicos devem orientar e esclarecer os pacientes que dores agudas ou subagudas normalmente melhoram com o passar do tempo. Sendo assim, deve-se evitar tratamentos de custo elevado e com potencial para causar efeitos adversos, especialmente narcóticos — resume Fernando Neubarth, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Para esses quadros, o que as novas diretrizes recomendam são soluções simples, como a aplicação de calor no local (por meios de compressas ou bolsas de água quente). Alternativas como massagem, acupuntura e manipulação também são elencadas, ainda que as evidências sejam de benefícios moderados. Apenas se esses tratamentos não ajudarem, pacientes e médicos devem discutir a possibilidade de medicamentos, como anti-inflamatórios ou relaxantes musculares.
Remédios nem sempre são eficientes
Uma situação mais complicada é a dor crônica, aquela que dura 12 semanas ou mais. Mas a recomendação básica segue a mesma: a busca de uma solução não farmacológica, o que seria ainda mais importante nesses casos, tendo em conta os custos, os efeitos adversos e até mesmo o risco de dependência.
— Se fala muito pouco nisso, mas a maior causa de efeitos colaterais e de problemas gerados pelo médico ou pela medicina envolve o uso de anti-inflamatórios não hormonais. Isso é até paradoxal, porque o uso é meio que irrestrito, disseminado. As pessoas utilizam sem critério, às vezes, por tempo prolongado, e sofrem efeitos colaterais importantes na função dos rins, no aumento da pressão arterial, na retenção de líquidos e nos problemas digestivos, com sangramentos que podem até causar a morte. Além disso, os medicamentos não são tão eficientes. Não vale a pena esse risco todo — alerta Neubarth.
Para a lombalgia crônica, as diretrizes recém-divulgadas propõem um leque maior de opções, que demonstraram algum grau de sucesso nos estudos realizados. Exercícios, acupuntura e redução do estresse estão entre as alternativas principais.
A forma de enxergar as novas diretrizes pode não ser consensual. Ericson Sfreddo, coordenador do Centro de Coluna do Hospital Moinhos de Vento, por exemplo, não vê grandes diferenças em relação às recomendações anteriores e ao que já se faz na prática cotidiana:
— A diretriz mostra preocupação de tentar unificar, padronizar o tratamento no mundo inteiro. É o mérito que ela tem. Porque na dor lombar há muita variabilidade de tratamentos. Se tu consultares um médico hoje, virar a esquina e consultar outro, vais descobrir que eles têm condutas por vezes até antagônicas. É complicado separar o joio do trigo.
DIRETRIZES
Estudo do Colégio Médico Americano apresenta três recomendações principais para o tratamento da dor lombar.
DOR AGUDA E SUBAGUDA
A dor aguda é aquela com menos de quatro semanas de duração. A subaguda dura de quatro a 12 semanas. Nessas situações, a maioria dos pacientes melhora com o tempo, mesmo sem tratamento. O Colégio Americano recomenda soluções não-farmacológicas, citando tratamento com calor, massagem, acupuntura e manipulação espinhal. Em caso de medicação, a preferência deve recair sobre anti-inflamatórios não esteroides e relaxantes musculares.
DOR CRÔNICA
Para pacientes com lombalgia crônica, o primeiro passo deve ser experimentar tratamentos não-farmacológicos. O Colégio Americano cita, entre as terapias que apresentaram alguma evidência de eficácia, exercício físico, reabilitação multidisciplinar, acupuntura, redução do estresse baseada em mindfulness, tai chi, yoga, exercício de controle motor, relaxamento progressivo, biofeedback eletromiográfico, terapia com laser, terapia cognitivo-comportamental e manipulação espinhal.
DOR CRÔNICA SEM RESPOSTA A TERAPIAS NÃO FARMACOLÓGICAS
O Colégio Americano recomenda o uso de remédios apenas nos casos em que o paciente não responde bem às terapias não medicamentosas. Nessas situações, os opioides devem ser prescritos somente se outras drogas não funcionarem e se os benefícios em potencial superarem os riscos para o paciente. Esses riscos devem ser discutidos entre ele e o médico.
ALTERNATIVAS
O que o Colégio Médico Americano concluiu sobre os benefícios de algumas das terapias não medicamentosas.
PILATES
Na dor crônica, não mostrou diferença significativa de resultados em comparação com o exercício físico.
CALOR
Compressas de calor diminuem a dor e melhoram o movimento, com resultados superiores se estiverem combinadas com a prática de exercício, para pacientes com dor aguda e subaguda.
ACUPUNTURA
Gera alguma redução da dor nos casos agudos e subagudos. Na dor crônica, traz alívio imediato, com resultados até 12 semanas depois.
YOGA
Nos casos crônicos, verificaram-se resultados positivos para dor e função, principalmente nos primeiros meses.
EXERCÍCIO FÍSICO
Em pacientes com dor crônica, o exercício produz melhoras. Não houve diferenças de resultado entre diferentes formas de atividade.
TAI CHI
Há evidência de redução da dor, com possibilidade também de melhora na função, para lombalgia crônica.
MASSAGEM
No curto prazo, pode melhorar dor e função nos casos agudos, subagudos e crônicos. Combinada com outra terapia, como exercício e acupuntura, apresenta resultados melhores.
TERAPIAS PSICOLÓGICAS
Houve ganhos para os pacientes com dor crônica em modalidades como relaxamento progressivo, biofeedback eletromiográfico, terapia cognitivo comportamental e redução do estresse com base em mindfulness.
Combater a dor está nas mãos do paciente
Na véspera do Carnaval, uma paciente telefonou para a clínica do ortopedista e traumatologista Jorge Schreiner e pediu uma receita de medicamento tarja preta, para o caso de enfrentar dores durante a folia. Segundo o médico, esse é um comportamento usual. As pessoas já chegam ao consultório cobrando medicação.
— Ela não precisa desse medicamento, mas os pacientes estão tão acostumados com remédio que usam isso como alternativa. O que eu fiz? Telefonei para ela e dei uma orientação. Ponto — conta Schreiner.
As novas diretrizes do Colégio Médico Americano procuram dar um basta a essa atitude. Ao colocarem atividades físicas como melhor forma de lidar com a lombalgia, mostram que está nas mãos do próprio paciente aliviar a dor nas costas, sem recorrer a remédios.
— Normalmente, o paciente espera que o médico resolva o problema dele, sem participar da solução. A diretriz é enfática nesse aspecto. Ela está dizendo que não adianta dar medicação apenas. O paciente tem de se dedicar a fazer a terapia física, comprometer-se com terapias cognitivo comportamentais, fazer relaxamento muscular, mudar hábitos de vida. E o paciente não quer isso. Ele quer ir ao médico, receber um remédio e ficar bom — observa Ericson Sfreddo, coordenador do Centro de Coluna do Hospital Moinhos de Vento.
Essa passividade, sabe-se hoje, é nociva para quem está sofrendo com dores. Nos últimos anos, ficou claro que para se recuperar é importante fugir ao repouso e se colocar em movimento. É a melhor forma de vencer a dor.
— Tempos atrás, dizia-se: se está com dor nas costas, fica quieto, não te mexe. Mas não é assim. Quanto mais movimento, quanto antes voltar à atividade, desde que não faça coisas pesadas, a tendência é de que melhore mais rápido. Porque o próprio fato de te alongares, fazeres exercício, vai te ajudar a descontrair, a melhorar a contratura. Se ficar deitado, aquilo até pode piorar — explica Fernando Neubarth, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Qual a melhor opção?
As novas diretrizes para o tratamento da lombalgia podem gerar certa confusão entre os pacientes, à medida que apresentam uma considerável variedade de alternativas não medicamentosas, tanto para a dor aguda quanto para a doença crônica. Sendo assim, qual escolher?
Profissionais da área explicam que isso dependerá, em parte, da avaliação clínica.
— A avaliação do paciente é que vai nortear a terapia mais adequada. Se tu tens um componente de contratura muscular significativo, por exemplo, vais direcionar para terapias que relaxam a musculatura, como calor local, ultrassom, alongamento. O tratamento é sempre individualizado. Tem de identificar as características da dor — observa Ericson Sfreddo.
Outro componente decisivo é a preferência do paciente. Se ele tem várias opções diante de si, com potencial semelhante de resultados, a aposta será naquela que ele goste mais de fazer, o que aumenta as chances de adesão.
— O que se costuma dizer é que vai funcionar para ti aquilo que tu realmente encarares e fizeres de forma continuada. O que realmente funciona é mudança de hábitos de vida, melhorar a musculatura, fazer exercícios, alongar-se, ter noções de ergonomia. O ideal é evitar que as crises de dor aconteçam novamente, e isso só vai acontecer se a pessoa mudar fatores que estão predispondo a essas dores. A maioria deles é falta de condicionamento — afirma Fernando Neubarth.
Remédio está fora de cogitação?
As diretrizes do Colégio Médico Americano pregam que se tente primeiro resolver a dor lombar por métodos não-medicamentosos, mas profissionais ouvidos por ZH afirmam que em muitos casos o recurso a analgésicos é fundamental, em paralelo com as outras terapias.
— Vamos nos transportar para uma situação real. Tu vens aqui com uma dor lombar forte. Eu te avalio e digo o seguinte: “Tu vais fazer acupuntura e massagem. Tchau”. Não é assim. Tu queres voltar ao trabalho, tu queres uma solução. Então vamos usar um analgésico, um anti-inflamatório, mas não vamos ficar a vida inteira nisso. A medicação é fundamental. A casa está pegando fogo, a gente vai apagar o incêndio e depois vai trocar as madeiras — defende Jorge Schreiner.
fonte: zh.clicrbs.com.br