Há pouco mais de dois meses, Diva Martins da Rocha, 79 anos, sentia fraqueza por todo o corpo, especialmente nas pernas. Após consultar-se com um médico e fazer tratamento convencional sem resultados e com os sintomas agravados, a moradora da Lagoa da Conceição, em Florianópolis, só teve melhora quando agregou outros dois procedimentos no processo: acupuntura e auriculoterapia (quando são colocadas sementes em pontos da orelha para ativar órgãos e áreas do cérebro).
A oferta de procedimentos complementares como os procurados pela aposentada foi ampliada pelo Ministério da Saúde no final de março. Foram incorporados outros 14 tipos de terapias ao Sistema Único de Saúde (SUS), entre eles reiki, dança circular e ioga. Em Santa Catarina, Florianópolis é referência na oferta desses tratamentos, já que 88% dos centros de saúde têm algum tipo de prática complementar. Cálculos preliminares da secretaria de saúde apontam que, somente em 2016, pelo menos 12 mil atendimentos envolveram essas terapias na rede.
Diva, por exemplo, teve acesso após procurar o centro de saúde do bairro. Acompanhada da filha, foi atendida pelo médico da família Murilo Leandro Marcos que a orientou a fazer as terapias complementares.
— Eu nunca tinha feito [acupuntura e auriculoterapia], mas me fez um bem que nem consigo explicar. Fiquei muito aliviada — afirma.
A aposentada também saiu do posto de saúde com uma receita médica, cujos remédios toma religiosamente, porque essas são práticas integrativas à medicina tradicional. Embora as apoie, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reforça que elas não substituem os tratamentos convencionais, mas os complementam.
— A gente pode tratar alergia, ansiedade, dor, hipertensão, qualquer coisa. A pessoa não deixa de tomar remédio, mas a gente vai incorporando essas práticas. Estamos falando de oferecer outra oportunidade de cuidado, de ampliar o olhar sobre o paciente — reforça Marcos, que integra a Comissão de Práticas Integrativas e Complementares do SUS em Florianópolis.
Eficácia comprovada em pesquisas
O médico da família explica que essas terapias são pouco invasivas e seguras, há comprovação científica dos benefícios. Um estudo feito no centro de saúde do Saco Grande, em Florianópolis, por exemplo, mostrou que o aumento da oferta de auriculoterapia diminuiu o uso de medicamentos como analgésicos.
A agente de saúde Elza Erotides de Oliveira, 58 anos, sentiu isso na prática. Quando ainda trabalhava com vendas, há 25 anos, tinha uma rotina bastante estressante que desencadeou uma enxaqueca crônica, que não era resolvida com nenhum remédio. O problema foi aliviado depois de seis meses de acupuntura, recomendado no posto de saúde onde passou a atuar profissionalmente nove anos depois.
— Nunca mais tive enxaqueca, mas mantenho a acupuntura e os pontinhos na orelha para outras causas, como dores na coluna — resume a servidora pública.
Além de acupuntura e auriculoterapia, nos postos de saúde da Capital também há oferta de massoterapia, plantas medicinais, homeopatia, além de ioga, reiki, biodança e terapia comunitária – que já eram disponibilizadas antes da publicação da nova portaria pelo Ministério da Saúde.
Para Charles Tesser, professor do departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a inclusão de novas terapias é um incentivo simbólico e operacional aos profissionais do SUS para que registrem quando realizam esses tratamentos complementares:
— Isso vai gerar uma maior visibilidade dessas práticas, ainda pouco valorizadas e relativamente raras, embora cada vez mais presentes nos centros de saúde.
Allan Nuno, diretor do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde explica que com o reconhecimento de maior número de práticas, a expectativa é ampliar o número de unidades e municípios com oferta do serviço.
— Quando as pessoas buscam o médico elas já querem sair com a receita do medicamento, só que à medida que a unidade oferta as práticas integrativas, que são muito eficazes e menos invasivas, a população passa a reconhecer e exigir essas terapias.
Iniciativas em outras cidades catarinenses
Os recursos para as terapias complementares integram o Piso da Atenção Básica de cada município. Segundo o Ministério da Saúde, cada gestor local pode aplicar a verba de acordo com a prioridade. Na maioria dos casos, o serviço é resultado da iniciativa dos próprios profissionais que atuam nos postos. Em Florianópolis, Marcos explica que a formação é feita pela equipe da rede ou por meio de parcerias e que não há recursos específicos para esses procedimentos. Atualmente, 1.708 municípios e 28% das unidades básicas de saúde do Brasil oferecem práticas integrativas e complementares.
Em Santa Catarina, apesar de estarem mais disseminadas em Florianópolis, há pacientes em outros municípios catarinenses que também têm acesso às terapias complementares pelo SUS. Em Chapecó, desde 2012, são oferecidas práticas como homeopatia, medicina tradicional chinesa, massoterapia, pilates e shantala. Em 2016, foram uma média de 600 atendimentos mensais. As práticas são oferecidas pelo Serviço de Atenção à Saúde do Trabalhador e pelo Núcleo de Apoio à Saúde da Família.
Em Itajaí, são 5.168 usuários cadastrados no serviço de acupuntura e homeopatia. Além disso, há atendimentos em grupos terapêuticos de Do-in (técnica de automassagem) e Lian Gong (prática corporal chinesa para prevenir e tratar dores). A gestão pretende ampliar o número de ofertas e construir um Centro de Reabilitação e Medicina Integrada no município.
Já em Blumenau, são desenvolvidas hortas comunitárias e medicinais e existem grupos de terapias alternativas como Tai Chi Chuan, Chi Kung (exercícios baseados na medicina chinesa e na respiração) e oficina de meditação. O município deve elaborar ainda neste semestre uma política municipal, a fim de tornar estas práticas oficiais.
Em Criciúma, são realizados encontros às quintas-feiras, uma vez ao mês, para discutir plantas medicinais. Em Joinville e Lages as práticas não são oferecidas.
Mesmo diante de desafios, como a formação de profissionais e falta de recursos, a expectativa é que aumente a oferta dessas práticas no SUS. Em Florianópolis, por exemplo, já estão previstas novas formações em fitorerapia, com implantação de hortas nas unidades, em auriculoterapia, acupuntura e ioga neste ano.
fonte: Diário Catarinense